Provavelmente você já ouviu que nós temos que ser felizes o tempo inteiro, sendo alguém que está sempre sorrindo, que tudo dá certo, que sempre alcança bons resultados. A sociedade tem essa ideia de felicidade e euforia perpétua, e você entenderá hoje como essa ideia está, inconscientemente, travando a sua vida.
E como eu não gosto de enrolar: não, não dá para ser feliz o tempo todo, e tá tudo bem. Ao longo do texto, você vai entender o porquê. É um texto longo, mas te garanto que fará você sair da sua caixinha. Se você esperava um texto curto para falar sobre algo tão complexo como a felicidade, deve ser por isso que você ainda está à procura dela.
“A gente não sabe direito o que é felicidade. Quando você tem certeza que sabe, provavelmente está faltando informação”
- Luiz Felipe Pondé
Quero começar esse post te trazendo o fato de que o ser humano é insustentável: ele depende de muitos fatores externos para sobreviver, principalmente quando nasce, época de dependência absoluta. Quando o ser humano cresce, ele ganha mais autonomia, o grau de dependência vai diminuindo, se tornando uma dependência relativa, nunca de fato ficando independente, porque precisamos de comida, água, vacinas...
Enfim, a gente é dependente de todo um sistema globalizado de trocas de mercadorias feita por pessoas que não se conhecem e que não o fazem por amor à humanidade ou por amor umas às outras, e sim por busca da própria felicidade; e isso se chama MERCADO.
Esse mercado é uma entidade que cresce de forma espontânea e que se expande de certa forma imprevisível; e a nossa existência depende da existência dessa entidade. Segundo Luiz Felipe Pondé, "a nossa dependência não é só em relação a uma pessoa, ela é uma dependência que está dentro de um quadro complexo e sistêmico. Nós somos seres estruturalmente insuficientes, e essa insuficiência não tem cura."
A nossa insuficiência não é apenas corporal, mas também é na nossa estrutura subjetiva, entrando nas nossas emoções, crenças e sentimentos. É ali que se aloca, por exemplo, problemas de autoestima, de reconhecimento, ressentimento, sentimento de inferioridade etc.
Você, caro leitor, já parou para se perguntar por que nós somos infelizes e perturbados por qualquer tipo de problema e não ficamos felizes por nada? A insuficiência é um dos fatores, mas também tem o problema do DESEJO. Ele está intimamente associado à "tirania da felicidade", do sucesso, da euforia perpétua. Vamos para um parêntesis agora para explicar porque eu uso a palavra "tirania": Tirano era, no mundo antigo, um governante ilegítimo. A partir da Modernidade, a tirania passa a ser um governo autoritário que abusa do seu poder. A tirania é, historicamente, um tipo de governo em que o líder chega ao poder ou continua na liderança de maneira ilegítima. Ou seja, nesse caso, nós mesmos colocamos a felicidade como governante ilegítima de nossas vidas, sempre em busca dela, nunca satisfeitos. Mais adiante você irá entender o motivo.
Sabia que a religião é um dos meios em que mais as pessoas procuram e tem sinais da felicidade perpétua? A religião sempre foi um terreno onde esse problema de significado, felicidade e infelicidade sempre estiveram relacionados. Ninguém sabe dizer exatamente o porquê, mas provavelmente na pré-história começamos a crer em vida após a morte ou na existência de seres que possuem algum tipo de poder; algumas pessoas acham que isso pode ter sido efeitos de drogas, outras acham que levamos a sério pessoas que hoje a gente internaria em hospital psiquiátrico…
Seja lá qual for a causa, aparentemente nós temos uma área da nossa vida mental que já gosta de uma coisa que chamamos de religião, algo "invisível".
Veja bem, o meu intuito aqui não é falar sobre a religião em si, bem ou mal. É somente trazer reflexões da filosofia sobre a ideia da felicidade perpétua.
Agora, eu lhe pergunto: o que seria o mundo ideal para você? Aquele mundo em que você ficaria extremamente feliz em viver.
Quando a gente pensa em um mundo ideal, nada mais é do que uma réplica do nosso mundo real, porém, sem o que chamamos de "problemas". Só que, lamento te dizer, isso é uma visão infantil. Porque pensa em uma criança: ela só quer brincar, fazer o que gosta, fica emburrada quando tem que fazer algo que não quer...
Ficar a eternidade inteira fazendo só o que gosta, inevitavelmente, fará com que chegue um momento em que você, sem enfrentar nenhum tipo de desafio, ficará entediado. Portanto, nós não temos nenhuma capacidade de imaginar o que seria o mundo eternamente feliz, porque a felicidade plena não existe, nunca existiu e nunca existirá.
E se você parar para perceber as propagandas do mundo atual, seja de serviços, seja de produtos, quase todas as soluções que existem no mercado para te trazer felicidade são infantis por causa desse viés.
Falando em crianças...
Lembra que eu falei sobre dependência? Quando você é criança, você se sente desamparado, mesmo não sabendo a palavra e nem o significado, você é frágil e depende de pessoas para sobreviver, certo? Esse desamparo é diminuído quando você tem a sorte de ter uma boa estrutura familiar, o que é bem raro. E quando vc cresce, esse desamparo não some, ele diminui, mas continua ali.
Desamparo, para Freud, é o nome para a autopercepção psicológica da insuficiência. Essa criança então cresce, se torna adulta e continua sentindo um desamparo. Como resolver isso?
Se dar bem na vida, financeiramente falando, é um ótimo recurso para melhorar isso, porque, por exemplo, quando esse adulto cair doente, ele vai ter um bom seguro saúde para ampará-lo. Ter um bom relacionamento também. Mas isso não é para sempre, esse desamparo pode voltar quando, por exemplo, ele perder o emprego, ou quando ele perceber que a pandemia vai derrubar o negócio dele em duas semanas. Ele vai ter desamparo de várias formas.
E esse “processo regressivo” (adulto volta a ser criança, vulnerável e dependente) mimetiza a experiência infantil que fez dos seus pais os seres que o protegiam do desamparo. E se esses pais não existirem mais, esses adultos regressivos investem em “seres invisíveis” que cuidam de nós e que sabem o que está acontecendo, e isso compõe o panteão das religiões.
Isso acontece porque uma das formas mais terríveis de desamparo e infelicidade é a ideia de que essa história toda da sua vida foi em vão. Portanto, procuramos amparo no que nos fizer sentido, independente do que seja.
Portanto, se a religião é o processo em que as pessoas fazem um movimento regressivo para criar seres invisíveis, o que está por trás disso é o MEDO de que os trágicos tenham razão (de que tudo foi em vão). E a gente não pode ser um ser em que existe um destino cego e aleatório (contingente), pois isso gera muita infelicidade.
Existirão os Deuses para quem nós oramos? Ou na verdade quem rege as coisas é a mais cega e descuidada contingência? E a palavra 'descuidada' aqui é muito importante, porque significa que não somos cuidados, somos desamparados! E se quem rege a nossa vida é a contingência, que diabos a gente vai fazer?! Como que a gente enfrenta isso? De que forma a gente vai conseguir lidar com a insuficiência, com o desamparo, com o medo, com a dependência se não tem ninguém escrevendo esse roteiro?
E agora que eu te cutuquei, eu lhe pergunto: você é uma pessoa que gosta de estar no controle sobre tudo? É por isso que você tem essa ansiedade aí, nada mora dentro de você de graça. Para os controladores, preste muita atenção neste próximo parágrafo.
Uma coisa é certa na vida: as coisas vão dar errado. Entenda de uma vez por todas que a gente não está no controle de tudo. Nós somos uma espécie que continuamente sabemos mais do que a gente deve, mas a gente nunca sabe tudo que precisa. E nisso, você mesmo é quem vai fazer com que as coisas dêem errado, porque tudo aquilo que você não sabe sobre você mesmo é exatamente aquilo que vai determinar que você acabe fazendo exatamente aquilo que você NÃO quer fazer. Calma, eu vou explicar através de um exemplo.
Se você não tem dinheiro e está sempre endividado, muito provavelmente você tem crenças financeiras limitantes e bloqueios emocionais que te impedem de ficar com o dinheiro na conta. Mas provavelmente você não sabe quais são essas correntes e o que as originaram, então não importa o quanto você ganhe, você inconscientemente vai gastar tudo por causa delas. Resumindo, nesse exemplo:
O que você sabe: você está sempre correndo atrás de dinheiro
O que você não sabe: quais são as suas próprias crenças limitantes e bloqueios emocionais que te impedem de ter mais dinheiro
O que você não quer fazer mas vai acabar fazendo de forma automática por causa daquilo que você não sabe: gastar tudo o que tem, independente da quantia
Contextualizando na religião, quem se diz ateu, que creem nisso e acham que escapam de qualquer processo regressivo diante dessa contingência, costumam colocar alguma outra coisa no lugar. Não tem problema você parar de acreditar em Deus, o problema é que, com isso, você acaba acreditando em qualquer coisa.
Uma delas é o que os coachs costumam dizer: acredite em si mesmo, você pode tudo, você está no controle de tudo. Mas aí é que está o paradoxo: se você acredita que a contingência rege tudo, ela rege inclusive você! De novo: tudo aquilo que você não sabe sobre você mesmo é exatamente aquilo que vai determinar que você acabe fazendo exatamente aquilo que você NÃO quer fazer. Nesse caso, ser dono de si mesmo acaba sendo algo impossível.
Mas calma, não é para você ficar depressivo. O meu objetivo é trazer reflexões que você talvez nunca tenha se questionado antes, é diminuir o vazio daquilo que você não sabe.
O que é ser feliz para você?
Algo muito comum hoje em dia é associar felicidade a comprar o que você quer ou ter o prazer de realizar os seus desejos. Sabe aquela famosa frase: "eu só vou ser feliz quando comprar o carro dos meus sonhos"? Pode ser o carro, celular, casa...
É praticamente reduzir a ideia de felicidade a ganhar dinheiro, e esse é um dos modos de empobrecimento da experiência humana.
Junto com esse conceito, normalmente vem de carona o imediatismo: "quero ganhar dinheiro e quero pra ontem!", e esse é um dos nossos maiores erros como seres humanos. Não digo só na questão financeira, mas em questões de resultados no geral.
Eu quero que você observe esta seguinte árvore:
Este pinheiro bristlecone se encontra no Monte Washington, no Parque Nacional Grande Bacia, em Nevada, Estados Unidos. Aí você vê e pensa: "nossa, que árvore linda! Quero ter uma dessa no meu quintal." E aí eu te dou a seguinte notícia: ela tem 1.400 anos! O que isso significa? Que os nossos resultados hoje dependem muito do que os nossos ancestrais passaram para a gente e do trabalho que eles fizeram; é cultivar o jardim por 1.400 anos: não é você o centro do universo, não é você que consegue manter um jardim cultivado por todo esse tempo, existe um vínculo entre antepassados, os vivos e os que ainda não nasceram. E é exatamente por conta disso que o imediatismo é o nosso maior erro.
Existe outra concepção do que é a felicidade e eu gosto muito mais dela, que é a felicidade como uma experiência de significado, ou seja, aquilo que você está fazendo precisa fazer sentido para você e apenas você. O sentido não é uma experiência homogênea, e sim heterogênea, ou seja, ele não é igual para todo mundo (por exemplo, como ganhar muito dinheiro na bolsa e virar um milionário, pode ser que isso faça sentido para um mas não para outro). Para você entender melhor, um bom exemplo homogêneo que faz sentido para todo mundo é poder comer comida boa.
Uma pausa rápida para entender o que é o Estoicismo
O Estoicismo é uma escola de filosofia helenística que floresceu na Grécia Antiga e na Roma Antiga. Pauta-se na ética naturalista, pois existe a crença na razão universal natural, ou seja, propunha que os homens vivessem em harmonia com a natureza - o que, para eles, significava viver em harmonia consigo próprios, com a humanidade e com o universo.
A ideia é que esse convívio nos dá uma medida melhor de quem nós somos, porque uma das coisas que a natureza ensina é que você vive e morre, mas ela fica, ela permanece, e que na realidade, você é parte dela. Ela está presente em você inclusive nas coisas que você sente e deseja, mas ao mesmo tempo ela é completamente indiferente ao que você possa exigir além daquilo que é possível ter, por exemplo, não frustrar-se, não morrer, não fracassar, não perder amigos, não ficar triste ou com raiva… essas coisas sempre aconteceram e sempre vão acontecer, e viver sabendo disso é o que os estoicos definem como viver em paz consigo mesmo, ter tranquilidade na alma.
Portanto, os estoicos acreditavam que, para você atingir felicidade, era necessário ter essa tranquilidade na alma. É ficar em paz com as suas decisões e com tudo ao seu redor, colocando-se longe do sofrimento (neste contexto, sofrimento é ficar o tempo todo preocupado com o futuro). Porque a intranquilidade da alma sempre foi uma forma de infelicidade importante.
A eliminação das paixões e a aceitação resignada do destino também são fatores centrais na doutrina ética, que acreditava que o homem sábio era o único que, de fato, poderia vivenciar a felicidade verdadeira.
Os estoicos tinham a crença de que o universo é gigantesco, que a natureza é gigantesca, que existe uma lei que atravessa essa natureza, e essa lei passa por nascer, surgir, crescer, reproduzir, cuidar dos outros, passar por perdas, buscar afetos e a morte; e ela se chama LOGOS.
Tudo isso sempre aconteceu e sempre acontecerá, você não é especial. Calma, não fica triste, segue aqui comigo. Somos todos insignificantes diante do Logos, porém, a ideia é justamente que quando você consegue perceber essa pronoia (tipo o oposto da paranoia, que você acha que o universo em vez de conspirar contra você, conspira a favor) é quando você consegue mais tranquilidade na alma.
A pronoia significa que existe uma “ordem cega” porém não contingente (não aleatória), e por ser maior do que nós, quanto mais a gente conseguir viver fora de conflito com essa ordem, menos a gente vai sofrer, se frustrar e, por consequência, menos infelizes seremos.
O Logos é indiferente a você porque, para ele, você é insignificante, ele não te ama, não conspira ao seu favor, você só faz parte dele. A beleza deste Logos é a contemplação de algo que é muito maior do que nós. Portanto, viver perto do Logos, da natureza, é uma forma de aprender a amá-lo. Quando você tem uma experiência com o Logos, você tem uma "experiência do sublime": que é quando você percebe que faz parte de algo muito maior e eterno, quando por exemplo você vê as cataratas, o monte Fuji, a beleza do mundo. Ela é suficiente nela mesma, você só faz parte dela.
Há assim um processo de descentralização da felicidade: “Eu não sou feliz porque eu sou o centro do mundo, eu sou feliz porque eu convivo com o centro do mundo, eu faço parte dele, eu o conheço de certa forma e sei que ele sempre esteve aí e sempre estará”.
A tranquilidade da alma significa você não viver o tempo inteiro com o coração disparado. E para isso, é preciso entender que a vida é breve e aproveitá-la de verdade.
Segundo os estoicos, para atingir a tranquilidade da alma (ataraxia), você precisa entender a diferença entre o que está ao seu alcance fazer na sua vida e aquilo que você NUNCA vai conseguir controlar. Por exemplo: você não consegue controlar o jeito que o seu chefe falou atravessado e grosso com você, mas você consegue controlar como você vai reagir a essa situação (e espero que você sempre faça escolhas sábias).
O grande erro é quando você tenta controlar o jeito como os outros agem e te tratam; comece a focar naquilo que realmente importa: o que está sob o SEU controle. E assim, você fica mais perto de conseguir acessar o que chamamos de "apatheia estoica": alma distante de sofrimentos e ansiedade, alcançada por parar de dar murro em ponta de faca e parar de querer controlar o que não é controlável.
E se você me disser agora que não consegue ter esse controle sobre si mesmo é porque você não se conhece o suficiente. Então você precisa urgente marcar a sua Sessão do Despertar comigo. Clique aqui para me mandar mensagem que eu te explico direitinho!
Felicidade vs infelicidade
A gente só tem um problema com a felicidade porque temos um problema com a infelicidade! Um lado da moeda só existe por causa do outro. Pensa que nós somos insuficientes e dependentes a vida toda, precisamos de cuidado, de aprovação, de pessoas. E nós somos os únicos seres que temos consciência dessa insuficiência, e a insuficiência e a infelicidade são muito insuportáveis de se ter.
Edmund Burke é considerado o “pai do conservadorismo” e ele diz que a sociedade é uma comunidade de almas dos que já morreram, dos que estão vivos e dos que ainda não nasceram. Lembra do exemplo da árvore milenar?
Pois bem, agora eu quero que você imagine a época antiga, aquela bem antiga mesmo, onde não tinha absolutamente nenhuma tecnologia, nada. Não parece então que o mundo é dividido em "antigo" e "moderno"? É difícil imaginar o que acontecia lá atrás.
Podemos dizer então que a modernidade é um grande processo disruptivo em curso. Continua em curso porque antes da experiência moderna o mundo praticamente não mudava. Os últimos 5 mil anos forma atípicos, porque nos outros 400 mil anos da espécie humana a gente viveu basicamente do mesmo jeito.
Então, se os últimos 5 mil anos foram atípicos, imagina os últimos 100 ou os últimos 5. A modernidade avança de forma exponencial! Então essa é a época em que mais se necessita de cuidado com a saúde mental e emocional, porque esse avanço acelerado faz com que a sua ânsia em busca de felicidade fique cada vez mais insustentável e o sentimento de insuficiência cada vez maior.
“O prazer sempre foi uma espécie de régua, toda vez que se pensa no tema da felicidade e da infelicidade” - Luiz Felipe Pondé
Para os estoicos, o prazer era a tranquilidade da alma. Para os religiosos, é uma vida após a morte onde vc consegue viver bem.
Epicurismo é uma doutrina filosófica, que promove a procura dos prazeres moderados para atingir um estado de tranquilidade e de libertação do medo; no epicurismo, substitui-se o bem pelo prazer e o mal pela dor. Nesse contexto, a felicidade é obter o máximo de prazer e o mínimo de dores. Com certeza você conhece o Carpe diem, "seize the day", que signifca "viva o agora", viva o presente sem pensar no passado ou futuro.
A teoria é linda, mas não sei se você já tentou colocar isso em prática; é extremamente difícil! E é por causa disso que muita gente desenvolve depressão e ansiedade: depressão é viver pensando no passado e ansiedade é viver pensando no futuro.
Uma das ferramentas de garantia do futuro é que você sofra de uma ansiedade patológica em construir esse futuro.
Por isso que a ansiedade está muito conectada com a tirania da felicidade perpétua, da "obrigação" de você estar sempre alegre e projetando imagem de sucesso continuamente: é claro que você quer ser feliz nesse futuro, só que essa projeção costuma ser estar feliz o tempo todo, e isso leva a um labirinto, a uma roda de hamster, a uma corrida infinita atrás de algo inalcançável.
Deixa eu fazer você se sentir melhor: sabia que você é uma pessoa de muita sorte? SIM! Porque você existe, é capaz de conhecer pessoas, de ir a lugares, de desenvolver sonhos, de ter prazer sexual, de ter prazer quando come! É verade, e é isso que o Epicurismo ensina, a ideia é dirigida pela lógica da contingência: é o prazer de vc saber que isso tudo que você está vivendo e usufruindo não precisava nunca ter existido, uma vez que, seguindo a lógica filosófica, "tudo é por acaso".
Infelizmente, nós costumamos ignorar tudo isso e sempre focar no que está errado, nas coisas negativas, sabe por que? O nosso viés naturalmente é negativo. Vou repetir, ele é NATURALMENTE negativo. Isso significa que a gente vem com esse padrão de fábrica, é o nosso default. Pensa só: para os nossos antepassados terem sobrevivido por tanto tempo, eles precisavam estar preparados para lutar pela sua vida, certo? Para isso acontecer, eles precisavam estar alertas, e o jeito mais "fácil" para isso é sempre esperar o pior. Claro! Se eles fossem super positivos achando que estava tudo bem e que nada iria acontecer, eles morreriam (e provavelmente muitos morreram assim).
Ou seja, o nosso viés negativo é predominante por pura sobrevivência! E cabe a nós mudar isso (convenhamos que não precisamos mais disso para sobreviver).
A fórmula da tirania da felicidade
“Você sempre precisa ser cada vez mais feliz do que você é feliz agora, essa é a fórmula mais singela que a gente pode definir o que significa a tirania da felicidade. Ela não cai do céu, ela cai do modo de produção de vida que a gente tem” - Luiz Felipe Pondé
Sabe o PIB (Produto Interno Bruto)? Criaram até o FIB (Felicidade Interna Bruta), acredita? E isso enfatiza ainda mais a ideia da tirania da felicidade, pois já sabemos que o PIB PRECISA CRESCER SEMPRE, estar em aumento constante; logo, o FIB é a mesma coisa.
Se a felicidade é compreendida numa chave de acúmulo e crescimento, não tem jeito: você nunca estará feliz com o que tem, mesmo pelo fato que a gente tem muito mais do que os nossos ancestrais. Antes, as pessoas tinham muito pouco e se sentiam Deuses, hoje é impossível termos essa sensação.
O papel do marketing nessa tirania
A tirania da felicidade é um fenômeno típico do mundo contemporâneo acompanhado por uma ansiedade gigantesca e que cada vez mais tem o marketing como narrador deste drama. E à medida que esse marketing vai se tornando digital, a tendência é que a dissociação (distância) entre a experiência concreta e a experiência que já é narrada pelas demandas do marketing se torna cada vez menos existente.
E no momento em que esta distância vai deixando de existir, cada vez mais você é um produto do marketing, e esse produto tem que ser cada vez melhor, ou seja, não acaba nunca, é um mal infinito, porque sempre pode ser melhor. Se algo sempre pode ser melhor, aquilo que é agora nunca será bom o suficiente. Portanto, a insuficiência que caracteriza a nossa existência foi transformada em um verdadeiro recurso para lucrar em cima, e desse modo não tem como a felicidade não se tornar um inferno, porque se nada que existe é suficiente ou razoável, se tudo pode ser melhor, significa que nada do que você tem presta.
Nós vivemos em um mundo onde a modernização é caracterizada pela valorização da mudança. Ela não pode parar, se parar, morre. O que funcionava para a geração anterior à nossa, não vale mais, e é preciso então sempre nos adaptarmos; e é por isso que a minha geração, os Millenials, é a geração que mais se ferrou (desculpe o palavreado) por pegar a transição do mundo analógico para o digital. Mas isso é assunto para outro post.
A modernização precisa crescer cada vez mais, tem que procurar cada vez mais espaço pra crescer, tem que inventar formatos, criar soluções, e é por isso que convivemos com esse enlouquecimento de procura por pessoas criativas e por livros de autoajuda e mentores (claro, para sobreviver a toda essa euforia, você precisa de alguém falando “você vai conseguir chegar lá!”).
Por isso que podemos dizer que o marketing se tornou o narrador da nossa vida, dizendo como a vida é, como ela deve ser e como você deve se sentir, vendendo significado. É por isso que hoje você não vende mais produto, você não vende um bem material, você vende um ESTILO DE VIDA, um valor, uma forma de sentir felicidade. O marketing vai te dizendo que, se você não conseguir se reinventar, você já era.
Ele se transforma em cardápios de comportamentos para que você tenha mais sucesso, e aqui entra uma métrica terrível, que é a do sucesso. O sucesso é palpável, concreto.
As redes sociais e o marketing digital usam como um indicativo de sucesso o número de seguidores, por exemplo, então estão o tempo inteiro te mostrando o quão fracassado você é. E aí entra novamente na ideia do FIB: o engajamento sempre tem que ser maior a cada dia, nunca está bom o suficiente. Porque se ele para de aumentar, ele começa a cair, então você tem que manter a roda girando o tempo todo, e isso tem desdobramentos na sua vida, no seu dia a dia, nos seus relacionamentos... E aí passamos a ver as pessoas como investimentos: “se não for pra ganhar nada com isso, se for só pra me encher o saco, prefiro ficar sozinho”.
As tentativas de vencer a angústia
Kierkegaard afirma que o que caracteriza o ser humano é a ANGÚSTIA, que nós somos dominados por uma angústia infinita: a gente nasce e a vida inteira é um mar infinito de possibilidades, onde tudo pode acontecer, onde tudo se move ao acaso, que não sabemos o que está acontecendo, tomando decisões que nem sempre conseguimos avaliar todas as variáveis envolvidas, sentindo que sempre falta alguma coisa, sempre procurando novas coisas e que o que temos nunca é o suficiente, e isso tudo nos leva a uma angústia infinita.
Assim, Kierkegaard diz que existem 4 formas/estágios em que a gente tenta vencer a angústia e ser feliz (ou seja, a felicidade é compreendida neste contexto como a eliminação da angústia):
Estético: tentativa de escaparmos da angústia tendo sensações, procurando ter experiências gostosas, como fazer sexo, fazer compras, ir para uma cachoeira… É isso que chamamos de hedonismo. Porém, a angústia é infinita, então se você quiser escapar dela tendo sensações, você vai começar a perder o gosto por elas (porque as sensações exigem sempre uma dose maior delas mesmas para se suprirem cada vez mais) e elas vão deixar de ser gostosas, porque não vai adiantar e você ficará preso em uma roda de hamster eterna (e é por isso que muita gente desenvolve vício nessas sensações). Como metáfora, ele chama esse estágio de Don Juanismo, vendo como quando Don Juan seduzia tantas mulheres de forma tão fácil que assim que ele seduzia já não sentia mais tesão, porque a graça era só a sedução; ficou tão rotineiro que perdeu a graça.
Ético: ser ético é ser correto, é achar que vai parar de sentir a angústia e ser feliz se fizer tudo certinho na sua vida, sendo um bom pai, um bom filho, um bom profissional, respeitando as leis, as regras etc. Porém, também não vai dar certo, pois a angústia é sempre maior do que qualquer tentativa de tamponar e dizer que ela não existe.
Religioso: é quando você acha que vai resolver a angústia indo para uma Igreja. E não vai resolver porque você vai ver um monte de hipocrisia lá, vai ver que é um lugar assim como qualquer outro, que o pastor é um mentiroso, que é um lugar cheio de crenças hipócritas e no final você pode até se desesperar da fé.
Salto na fé: a única forma que funciona de fato é você não se desesperar na vida e NÃO MENTIR SOBRE A ANGÚSTIA. Não tente fingir que ela não existe, pare de ignorá-la e admita que ela existe.
Um dos traços que mais faz as pessoas sofrerem nessa tirania da felicidade é o fato de que elas não podem dizer que não aguentam mais. Existe todo um mercado que surgiu para fazer com que você aguente mais um pouco.
Esse vazio apareceu a partir da ruptura histórica entre gerações, entre pais e filhos, porque isso cria uma experiência de desorientação e da mudança rápida das coisas: você não mora mais no mesmo lugar que nasceu, você não vai fazer o que a sua família inteira faz, você não vai cuidar da casa e dos filhos, você não vai pro exército ou cuidar da roça porque existem milhares de opções agora, aquele que mandava não é mais quem manda agora, o dinheiro está mudando de mão, a transformação é gigantesca.
Muitos dizem que a vida era mais feliz antes, mas na verdade é que, naquela época, não acontecia nada. As coisas não aconteciam do jeito que acontecem hoje, a vida antes era mais curta e lenta, as mulheres só ficavam grávidas e nada mais, não tinha nada para fazer além de sexo.
A preocupação de Kierkegaard era que você não destruísse o gosto da vida no estágio estético, a responsabilidade moral no estágio ético e a fé em Deus no estágio religioso.
Se você chegou até aqui, meus parabéns. Foi um texto longo, porém, extremamente reflexivo. Agora, de duas, uma: ou você ficou mais relaxado em saber que não consegue controlar tudo ou você ficou ainda mais ansioso por querer controlar e não conseguir. Qual das duas opções ocorreu contigo? E Luiz Felipe Pondé ainda adiciona:
“A ansiedade contemporânea, vista do ponto de vista sociológico, é fruto da aceleração do tempo social”
A ansiedade, como afeto e gerada por marcadores sociais, nos invade quando a gente tem a sensação de que os nossos mecanismos de controle das variáveis da vida vão entrar em colapso, quando vamos fracassar em controlar tudo o que temos que controlar pra termos sucesso e sermos feliz o tempo todo. Lembra que eu falei que a ansiedade é excesso de preocupação com o futuro? Entenda mais sobre a ansiedade clicando aqui.
Caso você queira entender mais sobre você mesmo e descobrir quais são as suas correntes emocionais que não te deixam evoluir, agende agora mesmo a sua Sessão do Despertar comigo clicando aqui. Será um prazer lhe atender!
Pimen Nakano